domingo, 17 de abril de 2011

AMSTERDAM

AMSTERDAM
O pintor persegue a linha e a cor, mas sua meta é a Poesia. (Rembrandt)

Embora a Holanda esteja mais associada a tulipas, moinhos de vento, tamancos e ao delicioso queijo lá produzido, jurei conhecer Amsterdam no dia em que li Anne Frank, o Diário de uma jovem, escrito por uma garota judia da minha idade no tempo em que ficou escondida junto com a família para não ser deportada para os campos de concentração da Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial. Décadas depois, cá estou eu, nem acredito, na capital e maior cidade dos Países Baixos! Seu nome é derivado de uma represa (dam) no rio Amstel.
A chegada foi no aeroporto de Schipol, cujas pistas ficam a cerca de cinco metros abaixo do nível do mar. Sua funcionalidade se traduz no trem que o liga à Estação Central, construída numa ilha artificial. Saindo daí, olhando-se de frente, o traçado da cidade é feito por cinco semicírculos concêntricos de canais por onde se navega (algumas embarcações servem como moradia). Podem ser vistas elegantes mansões bem preservadas que ricos mercadores construíram às suas margens, na época de ouro para esse porto considerado o mais próspero do mundo, no século XVII.
A dica de um amigo foi valiosa: hospedagem no pequeno e simpático Leidse Square Hotel, localizado em uma tranqüila zona residencial a poucos metros das principais atrações, leia-se museus, pois aqui é o país com o maior número deles por metro quadrado do planeta, dois de reconhecimento internacional: o Rijksmuseum e o Vicent Van Gogh Museum.
O primeiro, fundado em 1808, exibe, além de obras de grandes mestres da pintura como Rembrandt, Vermeer e outros, uma vasta coleção de esculturas, gravuras, desenhos, móveis, cerâmicas e antiguidades. O segundo, com o maior acervo de Van Gogh, apresenta por ordem cronológica e temática os períodos holandês e francês (o estilo sombrio das telas do início gradualmente substituído por pinceladas de cores vibrantes), além de trabalhos de artistas que tanto o influenciaram quanto foram influenciados por ele.
Para os amantes das belas-artes um terceiro é imperdível: o Rembrandt, numa casa restaurada, onde o pintor viveu. As águas-fortes – desenvolvidas por quem pensava a gravura como meio artístico independente, ao qual dedicou anos de experimentação – e os numerosos auto-retratos valem cada hora despendida.
Com reverência e emoção contida chego ao museu administrado pela Fundação Anne Frank, uma organização que combate o anti-semitismo, o fascismo e o nazismo. Percorro o espaço onde exposições em áudio e vídeo, com fones em várias línguas, revelam os detalhes da história. Vejo com os meus próprios olhos, agora em lágrimas, o refúgio onde a menina escreveu o diário (é possível ver os originais), a crônica da perseguição aos judeus por Hitler: uma falsa estante dava acesso ao pequeno cômodo onde ela e a família se escondiam até que foram encontrados, em 4 de agosto de 1944, presos e enviados a Auschwitz; só seu pai sobreviveria para publicá-lo (o livro foi traduzido para mais de cinqüenta idiomas).
Sonho realizado, parto para novas conquistas. Visito a badalada Dam Square (antigamente os pescadores vinham negociar produtos, hoje é um agitado cruzamento). Caminho pelo Begijnhof (um pátio cercado por casas antigas). Compro souvenires na Kalverstraat (a rua para pedestres). Faço um piquenique no Vondelpark (49 hectares de área). Passeio de barco para apreciar a arquitetura dos armazéns e residências com as características fachadas estreitas (há atracadouros por todo lado, placas indicam os horários das excursões). Relembro meu tempo de criança no Rio, andando de bonde. Degusto uma de minhas cervejas preferidas, a Heineken (sob explicações detalhadas sobre o processo de fermentação, nas instalações da fábrica e no museu dedicado a ela). Perco-me nas ruelas do Jordaan (outrora povoado pela classe trabalhadora, nos anos 70 tomado por estudantes e artistas). Rendo-me à beleza das tulipas de todas as cores.
Come-se muito bem em qualquer estabelecimento, inclusive, se tiver pressa, nas ruas, em carrinhos ambulantes. O turista encontra pratos que cobrem quase todas as geografias, mas a comida Indonésia parece ser a dominante (prove um jantar rijstaffel, com mais de vinte pratos diferentes bem temperados e servidos em pequenas tigelas). Se gostar de doces, peça como sobremesa poffertjes (panquequinhas) ou oelie bols (sonhos) com os mais diversos recheios e coberturas.
Não busquei conhecer o processo de lapidação de diamantes. Não fui a nenhum café marrom (assim chamado pela cor das paredes por causa do fumo em seu ambiente; o consumo de cannabis, a popular maconha, é legalizado em lugares credenciados) nem ao bairro da luz vermelha (onde mulheres ficam expostas em vitrines, para prostituição). Não pedalei (as bicicletas são o meio de transporte favorito dos cidadãos, e, cuidado, elas tem preferência). Mas se você se interessa por algum desses itens, será fácil encontrar o que procura.
Por fim, aceitei um convite para desfrutar de uma visita à pitoresca zona rural, Zaanse Schans, linda vila a 24 quilômetros ao norte de Amsterdam, onde se pode observar o lado tradicional do país: vacas no pasto, moinhos (é permitido conhecê-los por dentro, se assim desejar) e fábricas mostrando o passo a passo da confecção dos famosos tamancos. Seus habitantes vestem ainda o traje nacional. Mais à frente, Volendam, pequeno vilarejo com colorido casario histórico de madeira, à margem do maior lago holandês, o Ijselmeer, procurado por velejadores e praticantes de pescaria.
O vento constante que sopra desde que cheguei já apagou qualquer rastro de solidão, e não há lamento que tenha resistido. Ressuscito a alegria, canto o meu contentamento. Abraço estranhos. Dou informações recém-adquiridas com a maior paciência, ludicamente, até. Por tudo isso, constato, ao menos em parte, a sabedoria do conhecido ditado: Em Rotterdam, trabalha-se; em Haia, governa-se; em Amsterdam, vive-se.

Ana Guimarães