segunda-feira, 6 de junho de 2011

BRUXELAS

Pense numa linda praça. Pensou? Piazza San Marco, em Veneza? Plaza Mayor, em Madrid? Place de Vosges, em Paris? A Grand Place, também chamada de Grote Markt, em Bruxelas, proclamada patrimônio mundial da humanidade pela Unesco, em 1998 é a mais bonita do continente, Victor Hugo tinha razão. Assim que cheguei, parti para conhecê-la e não me decepcionei. Em minha estadia na capital da Bélgica, para lá ia todo dia, nem que fosse só para beber um café ou degustar uma cerveja Du Vell, mais forte do que as que estamos acostumados a tomar no Brasil, devido ao seu alto teor alcoólico (as produzidas por seis mosteiros trapistas também são especiais) com as célebres patats frites embaladas em um cone de papel. Exuberantes prédios antigos de estilo barroco em perfeito estado de conservação resplandecem ao sol, extasiando os visitantes. Mercadores, artesãos e ourives foram seus proprietários, competindo entre si construindo fachadas decoradas em ouro, um verdadeiro esplendor. No século XII ela era o centro político e econômico da cidade, hoje ainda abriga órgãos do governo, museus e lojas. À noite ferve, com apresentações culturais e shows de luzes e música. Já o Manneken-pis, a cem metros daí, não justifica a fama: trata-se de uma pequena estátua de bronze de um menino urinando, datada de 1619 (no Mourisco, no Rio, há o Manequinho, certamente nele inspirado, maior e bem mais expressivo).
Era fim de junho, o tempo estável e a temperatura amena, estimulando passeios a pé (com calçados confortáveis para andar em ruas com paralelepípedos). No início as placas confundem um pouco por causa dos dois idiomas utilizados, o francês e o flamengo, mas depois você se acostuma e outras belezas podem ser apreciadas. A Cathedrale Saint-Michel, em estilo gótico. O Atomium, planejado para a Expo 58, sobreviveu tornando-se visita obrigatória, um símbolo nacional. O Mini-Europe, um parque com miniaturas dos pontos turísticos mais famosos do mundo. O Royal Museum of Fine Arts e o Royal Palais. A Place Grand-Sablon. Murais com quadrinhos são encontrados em vários quarteirões, fazem parte da cultura belga, mas o museu dedicado a eles, a 30 quilômetros, na vizinha Louvain-la-Neuve, vale uma visita. Quem não conhece Tintin, desenho em quadrinhos criado por Georges Remi, mais conhecido como Hergé, um trocadilho com as iniciais do seu nome, considerado o Walt Disney europeu? O herói Asterix, dos gibis da minha infância, também é originário daqui.
Maravilha gastronômica, a Rue de Boucheurs é muito freqüentada graças aos excelentes restaurantes; mexilhões pescados no mar do Norte são a especialidade do lugar. Outro alimento típico, ideal para um lanche, é o waffle (originalmente produzido como hóstia, para missa), mais volumoso e macio do que o tradicional por ser muitas vezes fermentado, assim me explicaram. E o chocolate é um capítulo à parte, trazido pelos espanhóis quando estavam sob o domínio dos Habsburgos e depois aperfeiçoado quando o cacau era transportado da colônia africana Congo Belga; deliciosos são os pralines (recheados).
Não deixe de ir a Bruges, cidade medieval, em seus primórdios com poderosa indústria têxtil e fértil contato comercial com a Inglaterra. Reza a lenda que no fim do século XV chegou a ter o dobro dos habitantes de Londres, porém o canal que a conectava ao mar estrangulou, deixando-a isolada, paralisando-a por mais ou menos quatrocentos anos. Os guias contam a seguinte história: turistas ingleses começaram a chegar depois de Waterloo, (ali perto, onde Napoleão perdeu a guerra, lembra?) e depois também que um romance foi publicado (Bruges, a morta). Tudo isso acabou por ressuscitar o turismo que a movimenta até hoje.
Um intelectual quando ouve falar em charuto, pensa em Freud. Quando ouve “cachimbo” pensa no surrealista Renée Magritte, pintor belga cuja tela-ícone é de um cachimbo com a inscrição “isso não é um cachimbo”, lembrando que não se trata de um cachimbo real e sim de sua representação. Ele salientava que não importa o quão perto a arte realista chegue, nunca alcança a coisa propriamente dita. “As pessoas que procuram significados simbólicos não conseguem captar a poética e o mistério inerentes à imagem. Ao perguntar ‘O que isso significa?’, elas expressam o desejo de que tudo seja compreensível”. Quem quiser procurar, o quadro se chama A traição das imagens. E a quem interessar possa, a taverna Greenwich é uma parada obrigatória, ele costumava frequentar o local para jogar xadrez. No Musée d’Art Modern encontra-se a extensa coleção de obras do pintor.
Uma homenagem a um dos meus artistas preferidos, mais especificamente à minha pintura favorita, denominada O Filho do Homem:

O FILHO DO HOMEM

Conserva alguma lucidez
– só alguma –
na hora de criar

não te queixes de condições adversas
elas são um bom fermento
e a liberdade
o único fanatismo permitido

mima a tua loucura
não encarcerada:
o filho do homem
(veio para nos salvar)

para que ela te renda bons frutos
tapa a boca
de todo controle exercido pela razão

Ana Guimarães