quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Feliz 2021!

 Zapeando peloFacebook, Instagram, Messenger, ou WhatsApp o tal do “Não cancele 2020” logo surge, não sei se já viram.


“Não cancele 2020 porque ele lhe fez valorizar a vida, ver o quanto você era consumista, ter empatia pelos que sofrem, pelos que não tem uma vida confortável como a sua, e partir para ajudar alguém necessitado”.

Por mim cancelo. Sem falsa modéstia, não me enquadro em nenhuma dessas situações, quem me conhece sabe.

Cancelo sim o ano que me trouxe tristeza como nenhum outro porque me afastou não temporária, mas definitivamente do contato diário com os meus netos, que sempre tanta alegria me deram, e alimentavam meu natural otimismo e gosto pela vida.

Um ano em que, muitas madrugadas insones passei revendo nossas fotos juntos, para mitigar a saudade. Mas ruminar momentos felizes que tem pouca chance de volta só gera mais sofrimento.

Um ano em que fui obrigada a manter isolamento social, por recomendação médica. Embora seja caseira (por meu antigo amor aos livros e relativo recente horror a barulho), ficar sedentária, sem frequentar academia e sem poder estar com os amigos foi muito ruim. 

2020 só serviu para me embriagar com filmes e séries que maratonei: meu muito obrigada a Netflix, HBO, Amazon Prime e outros, vocês me salvaram.

Melhor nem olhar para trás. A única coisa a se comemorar é que 2020 acabou, e agradecer pela minha saúde e dos meus entes queridos.

Que 2021 nos traga vacinas, com imunidade por um prazo razoável e alta proteção contra reinfecções, com o consequente tão sonhado retorno da liberdade de ir e vir, de preferência com segurança. Viagens? Não chego a tanto, talvez só em 2022.

Agora é ter esperança num novo tempo, aqui e no resto do mundo. Com autoridades responsáveis, que persigam a redução da desigualdade social que sempre existiu, mas ficou mais evidente com a pandemia. Com cidadãos que além de exigirem seus direitos também cumpram seus deveres, respeitem o meio ambiente, os espaços públicos e privados, valorizem seu patrimônio cultural. Utopia? Eu quero uma pra viver.

Feliz 2021 para todos!

Ana Guimarães

sábado, 26 de dezembro de 2020

Dia 26/12 Parabéns, Lipe!

 Saudades, só portugueses/Conseguem senti-las bem/Porque têm essa palavra/Para dizer que as têm. (Fernando Pessoa)

Dezembro era sinônimo de felicidade para mim, desde menina. Rio 40 graus. Adorava o verão, nem acredito. A maresia me inebriava. A luz do amanhecer, bem cedinho. Férias, praia todo dia, o dia inteiro. Sorvete até não poder mais. E o principal, a euforia das festas: meu aniversário, Natal, réveillon. 

Já adulta (e mais tarde com filhas, e depois genros), a decoração da minha casa sempre expressou cada um desses momentos festejados. E eu gostava de cozinhar para receber. Salgadinhos, bolos e doces no parabéns, comidas típicas natalinas, e pratos especiais para aguardar o estouro do champanhe na virada. A união das pessoas à mesa, durante as refeições, quando conversas se desdobravam, era a melhor parte do cardápio.

No dia 26 de dezembro de 2007, ganhei outro motivo de alegria, o nascimento do primeiro neto, Felipe, aqui desde então, de manhã à noite, enquanto seus pais trabalhavam. Primeiros sucos, papinhas, passos, desenhos, palavras, letras, primeiras leituras. E em 2011, só que em novembro, sua irmã Carolina, outro grude comigo, veio formar a dupla de crianças mais amadas da face da terra. Durante uma boa época, muito bem vivida, eu fui a “vãe” deles. 

Mas nesse triste 2020 um dezembro cinza foi decretado, nem o pior dos pesadelos anteviu. Um espanto tão grande que não consigo me calar. Deixou a mente atônita e o coração esmagado. Impossível qualquer data comemorar. 

Tudo passa e o tempo (quase) tudo cura, mas a impressão agora é que o resto da vida, ano após ano, até o fim, jamais seria o mesmo, se o contato diário com esses dois entes queridos fosse perdido para sempre. 

Feliz Aniversário, Lipe!

Ana Guimarães

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Dezembro

 


Perdas e ganhos, a vida se resume a isso. Não teria do que me queixar, comparada ao resto da humanidade meu saldo foi pra lá de positivo, por isso sempre fui grata e tentei retribuir o privilégio, ao longo dos anos. Mas os últimos meses não têm sido fáceis, de desanimar até uma otimista incorrigível como eu, com uma fé inabalável no ser humano.
Primeiro dezembro que quero estar em casa só com o marido, companheiro de jornada. Tanto no meu aniversário (hoje), como no Natal e no Ano Novo. Em silêncio, dando tempo ao coração para se conformar com a perda do convívio estreito e diário com os netos, desde os seus nascimentos,  já que agora sua moradia temporária fora do Rio virou definitiva. 
Minhas congratulações a todos que estão conseguindo sobreviver física/emocional/espiritual e materialmente a essa pandemia e suas nefastas consequências.
Ana Guimarães 

sábado, 5 de dezembro de 2020

LUTO

Luto não é doença, nem só tem a ver com morte. Tristeza não é depressão, ela indica que alguma coisa, pessoa ou situação que realmente importava se foi, acabou.

E nem sempre a não solidariedade manifesta significa insensibilidade, ou mesmo indiferença. Muitas vezes as pessoas têm dificuldade de escutar o lamento, o choro, o sofrimento do outro porque estão anestesiados dos seus próprios, vestem uma couraça e é difícil dela se desfazer.

Porque não sabem falar, muito menos ouvir sobre perdas, é incômodo, tendem a querer que o amigo “se recupere” logo, pare de sofrer, mas isso tem um tempo para cada um, talvez seja preciso ficar em silêncio ou, ao contrário, repetir a verbalização da falta até à exaustão. 

E a raiva costuma ser mais um sentimento presente no processo, ela também precisa poder ser admitida e acolhida.

Querer preencher logo o vazio de um ente querido que foi embora pode ser até um ser sinal de desespero.  

A ausência, apesar de dor que carreia, também traz ensinamentos valiosos, mas esses são únicos, subjetivos, intransferíveis, dependem das circunstâncias de vida de cada um.
A elaboração pode custar um pouco a acontecer, mas quando vier, então será espontaneamente, de dentro para fora. 

 

Ana Guimarães 

 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

RESILIÊNCIA

Resiliência 


O tempo é um pasto

onde a tristeza trota

sem nunca se cansar

aí vem ela outra vez 

a distribuir flagelos

chicote com cheiro 

de couro novo 

e sangue pisado

 

os dias escorrem

só me pergunto por que

o beijo sempre tem que ser 

com ou sem canto de galo

véspera de traição

 

mas a alma é telhado

que abriga vários ninhos

à espera de que 

pássaros da felicidade

ponham mais ovos

sejam mais fecundos

 

ser refém da dor

é uma forma de prisão

uma hora 

quando menos se espera

você pia de contentamento

e voa de novo

 

Ana Guimarães



quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Parabéns, Carolina! 9 anos!

Parabéns, Carolina! 9 anos!

Foi a primeira vez que não programamos a festa, com antecedência, nos mínimos detalhes, curtindo cada decisão. Que não saímos para comprar, sempre nos divertindo, a roupa e o sapato que vc usaria no dia. Que não pedi aquelas maravilhosas balas de coco de Leopoldina. Que não encomendei seu bolo no tema escolhido. Que não cantei parabéns pra vc, ao vivo e a cores, abraçando-a e beijando-a muito, em seguida. 

Só pude parabenizá-la por telefone, mas já valeu quando eu lhe disse: se Deus quiser, no ano que vem, sem pandemia, estaremos juntas e vc respondeu, imediatamente: com certeza, vovó! 

E ontem mesmo, travamos um breve mas significativo diálogo. Falei: estou jogando na loto, e se eu ganhar, a primeira coisa que farei será comprar um apartamento para vcs voltarem a morar aqui pertinho, quer? E vc: quero não! Quero um no seu prédio, para eu poder ir a qualquer hora, toda hora, sozinha, para sua casa. (O famoso “Não tem preço!”)

 Até lá não sou mais Ana Guimarães, Anuxa para os íntimos. Saudade é meu nome, sobrenome e apelido. 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

POESIA É CICATRIZ

POESIA É CICATRIZ

 

A música cessou 

(com ela, a cor e o perfume)

não aquela alta, que entorpece ou irrita

a suave, quase inaudível 

mas não para os surdos

e sim para os insensíveis

o silêncio, a paz e a ordem 

agora reinam

cheiram 

a imobilidade

onde está a vida?

o que fazer, perdida

na cinza planície da saudade?

Aceitar o cinzel da História 

é preciso

até que algum clarão 

ilumine a escuridão presente

desenrole o fio do novelo

invente o grão de uma nova ideia


Ana Guimarães 

domingo, 8 de novembro de 2020

DIA DE FINADOS

DIA DE FINADOS

Minha reverência a todos os entes queridos que partiram. Avós (quem teve a sorte de conhecê-los e com eles conviver). Pais (mortos ou mortos-vivos do Alzheimer ou qualquer enfermidade degenerativa). Irmãos (inclusive os que perdemos em acidentes, para as drogas, a doença mental, o fanatismo religioso ou ideológico). Filhos (os que não chegaram a nascer ou viveram por pouco tempo, ou ainda aqueles que simplesmente um dia resolveram ir embora em busca de aventura, estudo ou trabalho, não importa, continuaremos a a nos importar com eles, a sentir sua falta). E netos, aqueles que, ainda não tendo autonomia sobre suas vidas, são levados por seus responsáveis para viver em outra cidade, estado, país, deixando nossos corações partidos para sempre.

Ana Guimarães 

domingo, 11 de outubro de 2020

APRENDER A BRINCAR

O artista dá forma bela ao desejo proibido, para que cada um comprando dele seu pequeno produto de arterecompense e sancione sua audácia. (Lacan)

 

Ao brincar, a criança cria um mundo próprio, só seu, onde os elementos são reajustados dmaneira que lhe agrade. Leva a sério a brincadeira e nela dispende grande quantidade de energia. Se for examinada por um médico ou sofrer alguma intervenção cirúrgica, de certo o fato será tema para novos divertimentostransferindo a experiência desagradável ameaçadora sentida para o amiguinho companheiro de folguedos (que passa a ser a vítima), resgatando assim sua posição de sujeito no mundo. No entanto, ela distingue, com clareza, o brincar da realidade. Estabelece relações entre seus objetos e situações criadas e as coisas visíveis que a cercam. O mesmo faz o escritor, e Freud observa essa relação preservada pela linguagem: em alemão, spiel (peça)uma forma literária que pode ser representada, e lutspiel (comédia) e trauerspiel (tragédia) significam, respectivamente, brincadeira prazerosa e lutuosa

 

Ao crescer, a pessoa para de brincar (tanto) a fim de enfrentar os embates da vida. Na verdade, ela não renuncia a um prazer que experimentou antes, apenas o troca por um substituto: agora ela cria castelos no ar e devaneiosPequena, não ocultava seus jogos que também expressavam o desejo de ser grande. Adulta, envergonha-se de suas fantasias por serem infantis e/ou proibidas. Ninguém fala delas por pudor, só em análise, e mesmo assim, com dificuldade, porém a criação imaginária do escritor permite que isso aconteça sem que a exposição seja diretainclusive porque o trabalho pode não ser conscienteAtravés de alterações e disfarces ele as descaracteriza de tal forma que elas perdem o caráter pessoal e são oferecidas como preliminares estéticos aos leitores, a fim de proceder a uma oferta posterior de um prazer ainda maior, qual seja, a liberação de tensões e até a comparação com fantasia de cada um, a partir daí percebida sem culpa ou constrangimento, numa verdadeira suspensão da inibição.

 

Quando adulto, o sujeito pode considerar que do mesmo modo que brincava com seriedade pode ocupar-se de suas atividades sérias ludicamente. O humor atua como substituo de afetos dolorosos, várias piadas confirmam isso. Um condenado sendo levado à execução numa segunda feira: “estou começando mal a semana”. Outro, sendo levado à forca: “por favor, um lenço para eu cobrir a garganta, senão vou pegar um resfriado. A compaixão que teríamos pelos condenados é refreada, pois percebemos que eles mesmos não se preocupam com a sua sorte. Muitas vezes o humor é produzido à custa da raiva, a gente ri em vez de se zangar, como nessoutra: um homem estava escondido num abrigo subterrâneo, onde todas as noites uma vaca lhe caía em cima, apagando-lhe a chama da vela. Na 46ª noite ele diz: "A coisa está começando a ficar monótona." É possível fazer graça de qualquer emoção, até do repulsivo, vide alguns filmes de terror

 

O homem não pode subsistir com a escassa satisfação que obtém da realidade. Sencontro com o outro é incompleto, ambíguo, traumático, esse furo ele obtura com a fantasia. Porém o fator quantitativo deve ser levado em conta, sua capacidade de sublimação respeitada: que cota de libido não utilizada, que quantum de pulsões sexuais e agressivas uma pessoa é capaz de desviar de sua finalidade? O escritor, esse dependente da pena, espera que sua ficção fale por si, daí tantos considerarem dispensável serem chamados para explicar suas letras, que o leitor tire o que quer e o que pode de um texto, que se vire sozinho. Até porque o autor não detém conhecimento sobre o inconsciente, esse bastidor da criação, é a própria obra que veicula o saber pelos efeitos que provoca em quem a aprecia. Também não se leia aqui uma apologia da ignorância ao escrever, apenas destaco, como muitos já o fizeram, que um excesso de controle, de seriedade pode engessar a criatividade. Aprender a brincar é preciso. Como gozar, é deixar ir.

 

Ana Guimarães

 

Baseado no texto Escritores criativos e devaneios, de Sigmund Freud.

domingo, 16 de agosto de 2020

SONETO DA DEVOÇÃO

SONETO DA DEVOÇÃO

Solteira, jornalista, única sobrevivente de um acidente de carro com a família quando ainda criança. Tendo herdado vasta biblioteca, lê, com voracidade, desde então. O que não a impede de cultuar o corpo numa academia, cinco vezes por semana. Dona de uma beleza rara, caminha com desenvoltura, com um olhar de promessas que sempre se cumprem. Distribui prazer com generosidade, mas se alguém esboça querer um envolvimento maior, desconversa. Jamais experimentou um orgasmosegredo não confidenciado nem mesmo para melhor amiga, que inveja suas numerosas conquistas amorosas. 

Divorciado, sem filhos. Tão fortemente apegado às origens que embora residindo no Rio desde o término da infância não consegue perder o irresistível sotaque mineiro. Atraente, entre outras coisas, devido à união de fortes traços masculinos a um discurso pacífico, doce, delicado, quase feminino, moldado em anos passados num seminário. O que não o impede de ser fascinado por armas de fogo, tal como seu paique teve morte trágica num acidente de caça. Toca piano numa casa noturnagarrafa de uísque ao lado, para relaxar e se desligar do trabalho como corretor da Bolsa, onde também faz uso de cocaínaAtribui a essa ciranda químico-emocional a embaraçosa impotência que o visita. 

Há muito ele não se sentia assim. Desde o primeiro encontro, ao serem apresentados, sentiu como se uma aura os envolvesse, um espaço mítico de onde todos os demais no recinto pareciam estar excluídos. Logo, como de costume, ela emite sinais para que ele avance. Sem sucesso. Romântico, mal percebe, acha que é cedo, teme assustá-la. Prefere apenas lhe fazer a corte. Ela se recolhe e espera.

Uma noite o grupo de amigos estica num bar. Altas horas, todos se vão. Ele se encaminha para o carro, ela o segue em silêncio, qualquer palavra seria supérflua ou excessivaÉ  véspera de Natal e a excitação que toma conta da cidade ínfima comparada a deles.

Em casa, diligente como expedicionário guiado por um mapa, ele percorre o novo território passo a passopreliminares das quais ela só se lembra de ter desfrutado nos tempos da adolescência. Ao tentar retribuir descobre uma pistola escondida sob suas roupas. A cidade anda perigosa, mas isso não, questiona, recuando amedrontada, como numa premonição. Ser interpelado dessa maneira o desconcerta, e logo ele se vê duplamente desarmado, a paixão o abandona naquela posição embaraçosa, quase ridícula, o corpo não reage ao que mente deseja. Enquanto se veste e se recompõe, decepcionada e confusa, já ouve o som do piano invadindo todos os cômodos da casa, todos os seus sentidos.

O que quer que tenha havido não vai se repetir, diz ela chamando-me para a cama de novo. Hesito. Rindo de meus pálidos receios ela me convence e não me arrependo. Envolvente e sedutora, sabe como cativar, entremeando versos e palavrões, na mesma medida, às nossas carícias, parece mais acostumada a realizar fantasias e nada falar das suas.

Meu coração queima e a ela dou carinhos que nunca a outra dei antes. Essa exaltação de sentidos se confunde com felicidade. Mais tarde, sozinho, não posso deixar de observar que ela beija muito bem. Bem demais. Beijo técnico (o que quer que isso signifique), nada a ver com beijo de quem está envolvido. E transa do mesmo modo, preocupada com seu desempenhoexcelente, por sinal, com um certo distanciamento crítico, como se estivesse olhando a coisa funcionar, com ou sem espelho. Parece uma puta, ou minha idéia do que isso seja, afinal tinha estado com muitas mulheres sem nunca ter precisado pagar por uma, nem quando garoto.

Com o tempo e a convivência me dou conta de que para me relacionar com ela só me despindo de expectativas, e isso não estou disposto a fazer, embora também não ouse pensar em perdê-la de vista. Ela própria se incumbe de desfazer minha ilusão de ser correspondido. Não parece querer compromisso algum, só praticar jogos sexuais sem entrega, num eterno deslocamento de parceiros. Já demonstrou desprezar qualquer tipo de sentimentalismo e a cobrança dele resultante. Confessa, sem pudor algum, estabelecer tênues vínculos com seus amantes como uma defesa, para quando quiser levantar âncora e partir. O amor é um privilégio que acarreta responsabilidades com as quais ela não parece querer/poder arcar.

Depois de certo tempo os homens tornam-se previsíveis, repetitivos, diz ela. Assim, sem mais. Com aquele sorriso encantador que termina com uma mordida no lábio inferior, como se estivesse mentindo. Adriana estava mesmo pensando: assim não corro o risco de descobrirem que sou uma fraude.

No lugar da intimidade, agora o esgarçar da confiança, o ciúme. Temo por essa fenda que se abre na caso idealizado por mim, que por aí escorra Adriana, levando junto minha auto-estima, meu equilíbrio, minha virilidade reconquistada.

Vamos para a noite, agitar? Viver freneticamente a afastava do perigo de viver, Adriana adorava inferninhos. Para azarar na minha cara. Cadela, ainda perco a cabeça e lhe dou um tiro. Luís torce o nariz. Não quer sair, está mais a procura do paraíso. A dois, de preferência.

Não complica, Luís, não precipita as coisaslá vem você querendo discutir relação, isso é coisa de mulher, é seu traço mais chato. Fica na sua.

Como ficar na minha e deixá-la ir embora? Sabia que não seria para sempre, mas tão rápido assim? Curou escuridão da insônia, o eterno afogar no poço da depressão alcoólicaagitação maníaca de droga-adictominha impotência generalizada para a vida, mas criou nova dependência, mais grave: a ela. Meu único vício desde então. Meu bemmeu zen, meu maltoco e canto a velha canção. De dentro da gaveta entreaberta, a arma me fita.

Ana Guimarães