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Ele está atrasado de novo.
Difícil suportar papo de sala de espera de consultório dentário. Pego uma da pilha de revistas náuticas e nela enfio o nariz. Deve ser o hobby do dentista milionário (que pleonasmo, diante dos altos
honorários cobrados por essa categoria profissional). Navegação em mar aberto é
o que mais se aproxima da idéia de imobilidade. Um navio dá impressão, pra quem
está dentro, de estar imóvel. O horizonte é sempre igual, e aquele mundo de
água que o circunda jamais se altera, é sempre o mesmo, transmite uma sensação
de paralisia no tempo e no espaço. Talvez isso explique porque tantos entretenimentos
a bordo. Para evitar que se caia num estado de vazio, de entre parênteses na
vida.
Feito na cadeira do dentista. A fim de que o paciente (et pour cause) não
fique entediado, ele passa horas, sem força de expressão, falando sozinho,
enquanto trata dos seus dentes. Uma característica comum não só aos loucos,
também aos escritores. Escrever é uma forma de falar sem ser interrompido, diz o ímã na porta da minha geladeira. Mas
ficar calado é diferente, é conversar com os mortos, já estar no meio deles. De
ouro não tem nada, prefiro meu amor de prata, ave palavra!
Houve uma época em que fazia da
cama meu avião. Tinha oito, nove anos, e adorava acordar, nas férias escolares,
sem pressa de me levantar, olhando as nuvens no céu. Obcecada por elas, imaginava
com o que se pareciam, nomeando-as a cada metamorfose, numa tentativa de
apreender o não apreensível, o que não tem contornos definidos, o que está em
constante transformação. Um jeito intuitivo de me preparar para as mudanças que
o destino me reservara, quem sabe? Melhor assim.
É possível evoluir na calma?
Não creio, nada de sentar à beira de uma estrada abandonada, sem movimento, em
suspensão, e esperar que algo aconteça. Ou na encruzilhada, sem ir a lugar algum. Como pescar: quieta, em silêncio, o dia inteiro, na expectativa de um peixe que,
muitas vezes, não vem. Prefiro más notícias a isso.
Cansada de tanto esperar, recito,
de pé, sob olhares entre assustados e divertidos, esses versos de Drummond: Aos navios que regressam marcados de negra viagem,
/aos homens que neles voltam com cicatrizes no corpo ou de corpo mutilado, /peço
notícias de Espanha/... Ninguém as dá./... cansado de vãs perguntas, farto de
contemplação,/quisera fazer do poema não uma flor: uma bomba e com essa bomba
romper o muro que envolve Espanha.
Ana Guimarães
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