sexta-feira, 10 de abril de 2020

DIAS DE RECLUSÃO

Como suportar a asfixiante atmosfera desses tempos de reclusão social? Invejo quem diz estar sofrendo de tédio. Nos últimos dias (vinte e sete!) não tive um minuto sequer de descanso, quando penso que a onda de horror terminou, levanto a cabeça e lá vem outra, maior ainda, ameaçando me afogar. 
Somos informados, com toda pedagogia, que o tal isolamento horizontal é o mais adequado no combate ao novo coronavírus, para minutos depois, sem precisar trocar de canal, só de infectologista, que o vertical seria o melhor, antes que a recessão nos mate de fome. As autoridades se estapeiam como moleques de rua, defendendo seus contrários pontos de vista, ambos aparentemente bem fundamentados, pelo menos para nós leigos e que não temos bandidos preferidos. 
Percebo que, com alguma frequência, comecei a ultrapassar a barreira da saúde mental, por sorte tenho conseguido voltar. A mesma vida real que nos fixa à sanidade, as atividades domésticas repetitivas que não podem ser adiadas, por vezes nos enlouquecem, lembrando aquela antiga pesquisa que mostrava que indivíduos com um mínimo de inteligência não conseguem se adaptar a tarefas rotineiras. Já me cortei, me queimei, queimei comidas e roupas, já quebrei louças e copos num número maior do que em toda a minha vida. 
Saber que “tudo passa, tudo passará” não é consolo, e enquanto dura? Todo dia me preparo para esse meteoro que pode sair da sua rota e me atingir ou a um ente querido.
Saudade de ficar em casa por livre e espontânea vontade. Saudade da minha liberdade de ir e vir. De abraçar e beijar netos, filhas, genros, amigos, vizinhos e conhecidos, com eles trocar carinhos e farpas, o normal. De encontrar comerciantes do bairro, que me conhecem há décadas, ouvir queixas e confissões como se no divã ou confessionário estivessem. Flanar pelas ruas, sob árvores frondosas, avistando famílias de micos saltitando nos fios. Assistir o vôo rasante de um beija-flor na piscina, e, da janela, apreciar bem-te-vis, sabiás e gaviões voando baixo. Curioso que, diferente dos registros de outras partes do mundo, aqui eles se recolheram. Não ouço nem mesmo a gritaria das maritacas em bando. Todos em silêncio, será que aguardam o alardeado achatamento da tal curva, a legalização do protocolo da cloroquina ou a descoberta de uma vacina?
Em sucessivas e fracassadas tentativas busco refúgio nos livros começados e sempre interrompidos. 
Durmo e sonho que desço a escadaria de uma imaginária estação de metrô que me levará embora daqui para um lugar seguro, fora do planeta. Depois da viagem, ao chegar à superfície, guardas se aproximam, não mais para obrigar ninguém a ficar em casa, só para aplaudir os sobreviventes. Cansada, não consigo mais cantar, dançar ou sorrir. E então acordo. Se ainda não posso sair da prisão, preciso de mais vinho, como a senhora da foto.
Ana Guimarães

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