A poesia é um verdadeiro alento nas horas difíceis. Tapa-buracos do real, quanto mais o sentido escapa, mais ela emerge. Na contramão do sensato, aponta o horizonte do impossível, denuncia a tentativa de sacrifício do sonho, de massacre da ilusão.
Dá força ao imaginário, até mesmo ao marginal, e serpenteia como água na infiltração, disseminando-se pelas frestas, pelos descaminhos, driblando barreiras, minando resistências, fazendo suas próprias rotas, não convencionais, subversivas.
Ensina a suportar a impotência diante do inominável. A acessar, por ondas mnêmicas, o indestrutível museu emocional que portamos. A abordar, como significa semanticamente: pelas bordas, a dor. A aproximar, por linhas de fuga, o horror.
A abandonar os remos e deixar o barco à deriva. Ficar como cata-vento, à mercê do vento. Fantasiar que estamos nadando no mar quando só estamos afogados em nossas lágrimas salgadas (grande Carroll!). Falar com bichos e pedras sem parecer louco.
A se jogar no buraco, por mais escuro e fundo que seja, Alice na toca do coelho, sem se questionar como será para voltar. E também, depois dessa queda, não ter mais medo de cair. Até porque quando se cai nada mais resta a fazer senão falar, simbolizar, metaforizar. Mesmo que com dificuldade, como reza a lenda sobre Joyce: o dia inteiro trabalhando para encontrar as palavras, só não sabia, ao final, ainda, como arranjá-las na frase.
A nos interrogarmos depois que escrevemos: será que foi o mundo que mudou ou mudei eu? Quem sou esse que escreve? Esse estranhamento.
Pois a poesia não responde, pergunta. Seria ela um corredor comprido, iluminado por uma fileira de lâmpadas? Ou a luz das lâmpadas iluminando esse corredor? Varia, depende do ângulo. Ela é a chave que não abre nenhuma porta específica, deixando a você a descoberta das saídas possíveis. Suas, particulares, subjetivas, únicas.
Semelhante aos pés distantes da Alice, pode não nos obedecer e nos levar para onde não queremos ir. Feito andar na areia da praia, deixando pegadas que o vento logo desmancha: à medida que caminhamos, mais criamos marcas e as apagamos.
Arquiteta da ponte entre as margens de um vazio e outro, tantas vezes projetada, jamais construída, tem o dom de fazer extraordinário do comum. Lápis de cor que colore o preto e branco da história, desenhando montanhas onde é só planície estéril, encantando o desencanto do mundo. O pintor é ela, somos – com muita honra e humildade – apenas seus pincéis.
Ana Guimarães
domingo, 31 de outubro de 2010
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E por que será que hoje, sim, hojinho, a poesia - tirando à que se une à música, é desvalorizada. nem tanto? Eu acho que um tanto e tanto!
ResponderExcluirPor que não se quer o inverso da areia ao vento? Que perigos esse mar de fogo?
Beijão!!!!!
Poesia
ResponderExcluirPoesia?
Para que serve a poesia?
Para falar de flores,
Do amor e suas dores?
Para falar do Ceu,
do universo de estrelas?
Como é seu nascimento?
Bastam folha e papel?
Ou nasce do meu pranto,
Das lagrimas que limpo e seco?
A quem ela pertence ,
Se a recito em alta voz?
O eco traz-me-a de volta
E se ela me pertencia
Agora não pertence mais.
Corre agora para o mundo,
Como o rio à sua foz
Já não sou mais só eu
Sou o eco e minha voz.
(@by Adilson S. Silva)
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/diadilson
A poesia serve para aves urbanas - essas birrentas - levarem pelo bico uma ou outra semente até o topo de prédios, viadutos... ficando depois à conta do improvável a germinação de algo com vida.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirA poesia não está para servir - há os que dela se servem - servos feitos, se há ou não serventia nesse "apoderar-se" - quem faz, quem lê, sabe o sumo, o mosto que obtem.
ResponderExcluirqueima me um beijo fogueira de restos do amor
ResponderExcluirqueima se pode
queima a suspeita que em meu peito teima
quebra meu dia que em tanta pedra explode
queima meu nome que em fogo teu transforme
essa tempestade a vida em tempo de poesia
queima me tanto que me lembre sempre
o vento que me leva para a frente ventania
Paulo Leminski
Eu consegui ver a síntese de suas ideias e nada como a poesia para comentar. Beijos.
Olá , Ana! João de Deus Netto do Blog Picinez. Vim dar uma clareada nas vistas e aproveitar pra ver o resultado do gozo da letra inserida na frase. Não sou poeta, sou leitor, designer gráfico e caricaturista.
ResponderExcluirObrigado pela visita.
Sucesso e um abração afetuoso.
Espetáculo, Ana.Fico impressionada como a poesia consegue tornar visível algo abstrato como os sentimentos, com uma realidaaaaaade. Muitas vezes, ao ler alguns poemas, penso que foram escritos pra mim.:)
ResponderExcluirComo diz o Grande Quintana, "escusado lembrar-lhe que a poesia é uma das artes plásticas e que o seu material são as palavras, as misteriosas palavras"...
Amei a sua poesia!! :)
Um beijo e "brigadim" pelo e-mail mineiro:)
"Brigadim", meus amigos!
ResponderExcluirA poesia sempre foi desvalorizada por quem a desvaloriza, tautológico assim... Ela não está aí ou aqui para servir a ninguém ou a causa alguma, só para aves birrentas - como nós - levarem umas sementes daqui pra lá, clarear as vistas de novos amigos e tornar visível o invisível.
Beijos