domingo, 21 de novembro de 2010

LA DOLCE ROMA



A lenda da fundação da cidade edificada às margens do rio Tibre é que ela se deu no Monte Palatino, em 21 de abril de 753 AC, por Rômulo, o irmão gêmeo de Remo, ambos salvos por uma loba que os amamentou.


Um coração peregrino – e não sonhos, como no caso de Freud – levou-me à cidade eterna. Reinventava a luz do amanhecer com o poder das miragens*, para logo descobrir que ela existe tal qual imaginei-a. Tanto havia lido, plantado dados, retido informações vindas das mais diversas fontes, afinal chegara a época da colheita, tempo de unir a realidade ao mito. Bem que tentei fazer poesia do instante, mas Roma não coube nos meus versos. Então, na volta, porque toda festa um dia termina, abrindo uma clareira na memória mapeei o périplo percorrido, ora dando relevância aos lugares visitados, ora aos afetos despertados. A relação entre uns e outros serviu-me de bússola e transbordou no texto que segue.

Sombrias expectativas que aludiam a traços de nossa maldita herança latina corporificaram-se antes mesmo do tumultuado desembarque no Aeroporto Leonardo da Vinci, mais conhecido como Fiumicino. A viagem no airbus lotado de cidadãos regressando à pátria revelara uma noite carente de bom atendimento, silêncio e do conseqüente descanso de que se necessita para encarar a nova jornada que se avizinhava. Porém, mal pego o táxi para o hotel, os inúteis laços que me uniam àquela experiência negativa desfazem-se por completo: por trás de um trânsito caótico pontilhado de motos, lambretas e scooters, a beleza de um passado narrado através de um bailado de ruínas e relíquias atravessa-me as pupilas. Malas no quarto, corro para a conquista dessa que foi durante séculos a grande civilização dominante do Ocidente.

Vislumbro, de surpresa em surpresa, a poeira alada que resiste a escorrer da ampulheta. Ah, a infinitude que brilha no COLISEU (patrimônio da humanidade, o estádio em cuja arena cristãos eram jogados aos leões), no ARCO DE CONSTANTINO (erguido com a finalidade de celebrar vitórias), no FÓRUM ROMANO (permanente sítio arqueológico), no MONTE PALATINO (uma das sete colinas sobre as quais Roma foi edificada), no CIRCO MAXIMUS (onde aconteciam as corridas de bigas), no CAPITOLINO (sede da prefeitura durante séculos, com a escadaria projetada por Michelangelo), na DOMUS AUREA (a casa que o imperador Nero mandou construir depois do incêndio de Roma, sinônimo de riqueza, opulência e luxo, com fachadas inteiras de ouro), e no PANTHEON, a mais antiga obra, quase intacta, projetada para ser um templo dedicado aos doze deuses do Olimpo. Ali cheguei ao cair da tarde. Avançando no piso de mármore decorado, gotas de chuva que entravam pelo óculo da abóbada (um orifício no topo) misturaram-se às lágrimas em meu rosto, fazendo com que me afogasse numa alegria atroz.

Outros tesouros foram encontrados. A GALLERIA BORGHESE, no parque Villa Borghese, abriga uma excelente coleção de trabalhos de Raphael, Ticiano, Botticelli, Rubens e Caravaggio. FONTANA DI TREVI, por mais que já tenha sido vista em fotos e filmagens, é arrebatadora! PALLAZO DORIA PAMPHILI, na Piazza Navona, um dos mais imponentes edifícios, propriedade e sede da Embaixada do Brasil. BASÍLICA DE SANTA MARIA MAGGIORE: mosaicos que datam do séc V impressionam. CAMPO DEI FIORI. Na praça há uma estátua em homenagem ao filósofo Giordano Bruno, queimado vivo em 1600 por ter desafiado a Inquisição ao dizer, como Galileu, que a Terra é que girava em torno do sol, e não o contrário. TERMAS DE CARACALLA (os banhos públicos eram populares, na antiguidade). Nos verões, palco de espetáculos de ópera e balé ao ar livre - quem não se lembra do primeiro concerto dos três tenores (Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti), em 1990, transmitido pela tv? Até o monumento kitsch, O VITORIANO, na piazza Venezia, em cujo centro há uma enorme estátua eqüestre do rei, compensou pela bela vista que se tem lá de cima. E para quem, como eu, não é indiferente à estética de objetos contemporâneos, Via Nationale, Del Corso e Condotti, cheias de lojas de grife, eventualmente com vendettas promotionales (liquidações).

Reservei um dia para a ida ao VATICANO. A PIAZZA DE SÃO PEDRO (vigiada por exóticos guardas com trajes suíços) e a imensa BASÍLICA DE SÃO PEDRO (com destaque para a Pietà, de Michelangelo, logo na entrada, à direita) são atrações à parte. Sete quilômetros de corredores com tapeçarias, afrescos e pinturas compõem o complexo de museus, tendo seu ápice na CAPELA SISTINA. Cada uma das cenas do teto (Michelangelo again, pintado entre 1508 e 1512) mostra um dia da criação, segundo o Gênesis. A que retrata o Juízo Final inspira reverência. Apenas aqui os romanos (e demais turistas) se calam: é terminantemente proibido conversar. Tonta entre tons e silhuetas, gostaria de tomar um pouco de ar nos magníficos jardins que vejo das janelas, contudo o acesso ao público é vetado, só em excursão com guia e marcação prévia. Por fim, a audiência com o papa (João Paulo II): fiéis de todas as partes do mundo, saudados em suas línguas de origem, um acontecimento!

Com a alma sendo sempre abastecida, não descuidei também, nem um dia sequer, do corpo, sem o qual aquela dá adeus à vida, ao menos terrena. A culinária italiana é uma das mais saborosas do mundo. Aproveitei paninis, pizzas, insalatas, pastas, risotos, sem esquecer dos gelatos, expressos e capuccinos em seus ristorantes, tavernas e trattorias. Uma refeição típica constitui-se de primo piatto (em geral, massa (oriunda da China, trazida por Marco Pólo, no final da Idade Média)), secondo piatto (carne, peixe ou frango), contorno (acompanhamento) e dolce, embora um menu del giorno, menos farto, mais econômico, esteja presente em quase todos os lugares. Há uma diferença sensível entre comer em pé, no bar (alla banca) e na mesa (alla tavolla): pelo menos o dobro do preço. Considerando-se a demora no atendimento do serviço feito por garçom, na hora do almoço pode ser importante lembrar-se do ditado Roma não foi feita num dia, portanto não há tempo a perder para quem quer conhecê-la. But (para tudo há uma exceção), em Roma, como os romanos: ao menos uma vez, compre seus comes e bebes e vá degustá-los com calma na escadaria da PIAZZA DE SPAGNE (um projeto francês assim batizado por sua proximidade com a Embaixada da Espanha), mas antes se prepare para uma verdadeira maratona, já que são poucos os supermercados é preciso passar na panetteria, na salumeria, lateria, pasticeria, gelatteria... A experiência cultural gastronômica vale a pena, garanto.

*Bruno Tolentino, em A Imitação do Amanhecer.

Ana Guimarães

11 comentários:

  1. Adorei o texto e aprendi algumas coisas :-) Só não gostei da foto, isto é, não lhe faz juz, pessoalmente está muito melhor....rs bjks Claudia

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  2. Cá para nós, que Ana não fique sabendo, mas ela está um charme nessa foto. Bonita, chique, simpática e com muito frio! Adoro a Ana! Furtei-lhe a foto como se rouba uma flor. Roma, cidade aberta de Rossellini. Cidade eterna da sete colinas. Quanto ao artigo, ele traz sempre a marca registrada da autora que une sentimento e inteligência no que faz. Gostei e espalhei!

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  3. Embarquei no texto e viajei com você. Muito bom!
    Também gostei da foto.
    Bjs,Thereza

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  4. Oi Ana, como vai? Que delícia "rever" Roma em sua viagem. Que saudade que me deu.Só não tenho saudade das "vespas" ansiosas.Aqueeelas que circulam pelas calçadas, na tentativa de ludibriar o trânsito.A primeira vez que visitei a cidade levei um susto. Você está linda na foto! Super fashion!Adoro suas crônicas de viagem.
    Beijosss

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  5. A terra de meus ancestrais retratada com a empolgação de um oriundi.
    Está viagem está na agenda, provavelmente para a aposentadoria.
    Para ser degustada lentamente, como um manjar delicioso.

    Beleza de texto!


    Beijão.

    Ricardo Mainieri

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  6. Caros amigos Claudia, Antônio, Thereza, Lau e Ricardo: obrigada por viajarem comigo. Seus generosos comentários são verdadeiras bênçãos!
    Beijos

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  7. Enternece meu coração pensar nas ruínas de Roma. Na triste realidade que vivemos nós, os herdeiros daquele império. E a perda irresistível e inexorável daquelas belezas pelo simples decorrer do tempo.
    É um prazer poder compartilhar desse momento, lá, sentado nas escadarias, tendo a amiga ajudado na interminavél correria entre padaria, salumeria e gelateria. E prontos, conversamos sobre esses sentimentos tão bobos quanto inúteis.
    E o texto? Gostoso como todos. Cheirando a frescor. Beijos.

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  8. Ana, querida,

    Você assiste profundamente às paisagens romanas, e as descreve, unindo todos os tempos em um só. E ainda com direito a cheirinho de pão assando...

    Beijos, adorei!

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  9. Djabal e Madalena: seus comentários enternecem o meu coração! Ambos cheiram a pão assando, uma delícia! Obrigada.
    Beijos

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  10. Olá Ana,

    creio que já são duas vezes que tentamos marcar encontro em Itália e ainda não conseguimos...rsrs...mas em Julho, São Paulo nos aguarda....rs.

    A linda cidade Eterna, que tão bem (d)escreves...vamos visitar na Páscoa:)

    1 Bj*
    Luísa

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  11. Em Roma, na Páscoa? Nada mais apropriado. Boa estadia!
    Em julho, São Paulo nos aguarda!
    Obrigada,
    beijos

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