domingo, 23 de maio de 2021

POESIA DO REAL

          POESIA DO REAL


O impermanente, eternizar
a infinitude, aspirar
sonhar
que a morte nada mais é
do que uma porta giratória
pela qual se vai, continuamente, dar
no mesmo lugar

o que poderia me fazer calar
me faz cantar (digo, escrever)
esse canto, mesmo com espanto
que sai do meu bico
esse mito que invento
pra não desistir
pra não ter que encarar o nada
torno-me alada
e no céu da história
plano

transformo música em letra
traduzo, verto, translitero
pego o real pela cauda
e lhe dou um brilho
de estrela

tomo os excessos que escorrem
– selvagens –
como espuma no corpo
e os faço miragem
oásis em solo deserto

o mesmo real que, parece,
partiu minha vida em metades
minou vontades
desenha uma nova imagem
e faz renascer o que não quer morrer
para sempre

estranha e súbita conversão
a arte, essa desconhecida
visita a perfumar o calabouço
onde há pouco pensava eu
cortar o pescoço

outro ser nasce diante de mim
ou o descubro, não sei
no final (a operação/batalha é vital)
atravesso o espelho
e ganho a guerra:
de novo a desabrochar
a  flor do desejo

aquele muro onde me recostava
no escuro
visitando sepulcros
mesmo prenhe de saudade
(ou et pour cause)
emoldura agora um futuro

instantes dissonantes
corpos mortos, em lajes frias
agora dobrados, como sinos
em bela sinfonia
pura harmonia

e eu que pensava não saber
(não sei) o que fazer
com aqueles restos
de repente via, ouvia
tudo mudar de lugar e de sentido:
a poesia se fazia

falei em calabouço? A liberdade
seu germe, por paradoxal que seja
lá está: na prisão da verdade
não nas tontas e vaidosas
mentiras prontas

Ana Guimarães 

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