terça-feira, 22 de junho de 2010

ADIÇÃO




Todos os excessos são condenáveis, até mesmo os da abstinência (Voltaire)

Seus companheiros
de ilusão
quem são?

Com o que combate
o horror à solidão
e tenta esquecer
que não tem mais sonhos?

Como lidar com o real
cada vez mais
avassalador?

Ao mal estar
você soma
a dependência
a algum paraíso artificial?

Crê precisar
de subterfúgios
para criar?

Só assim
as portas da percepção vão se abrir
céu e inferno
se intercambiar?

O que a literatura pode
(meio ou fim)
significar?

De que modo atravessa
o crespo do seu sertão
esse deserto da alma:
o liso do Sussuarão?

Se embriaga
se entorpece
quando não consegue
dizer não?

Que veredas percorre
em busca da fantasia
de completude?

Diga-me onde te abasteces
e dir-te-ei
quem não és

Na boca de fumo?
Num Mc da vida? (a droga do junkie food)
Na farmácia?
No botequim?

O que o ajuda a encarar
a falta, o excesso
o lusco-fusco da alma
seu Diadorim?

Tal linha de fuga
que prazeres
proporciona?

Estados alterados lhe dão (ou tiram)
vontade de que?
Que tonalidades o mundo perde
ou adquire?

E depois, o que suas sábias vísceras
denunciam?
Espasmos de culpa ou remorso
revém?


Ana Guimarães

17 comentários:

  1. "Eis-me sentado à beira do tempo
    Olhando o meu esqueleto
    Que me olha recém-nascido."

    O meu paraíso é o passar do tempo. Canso de olhar, de perceber, de fixar os olhos até a visão ser extraviada. De repente uma faísca, uma lasca na vista, uma raiva incontida, uma injustiça, uma distribuição mal feita, acende e ascende em palavras.
    Muitas vezes gostaria de escrever mais, e mais depressa. Espasmos de culpa e remorso me invadem e aguardo. Se é subtração não sei, mas não consigo adição. Beijos e obrigado.

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  2. Ana adorei o poema..para mexer com a gente mesmo!!!abraços.Ana

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  3. Ana,
    A porção que satisfaz não é a mesma para todos, embora possa ser comum a alguns.
    Enquanto letra, sou adição.
    Somemos!

    Beijos

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  4. Ana, gostei do enfoque. Tenho uma série de poemas que entendi nominar de "limites e outros exageros". Nem lá, nem cá, não? Abraços, Pedro.

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  5. Gostei muitíssimo do Poema, porque nele cumpre (meio e fim) a natureza que nunca lhe é estranha: a da questinação (e são fundas e apontam para camadas de sentido riquíssimas) as questões que este poema nos põe e, em sincronia, a ironia, a critica subtil e veemente que nos interpela e nos convoca ao pensamento.
    grato pela partilha
    luís filipe pereira

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  6. Vou para o fim de semana com muitas perguntas... não sei se me faltarão palavras ou se venho com um monte delas....
    Beijocas
    Graça

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  7. Gostei imensamente dos seus comentários, indispensáveis para que persista nessa caminhada.
    Abraços!

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  8. Ola, bom final de final de semana e uma ótima semana ANA
    Que poetar hem!
    Ainda bem que há alguém continua ouvindo as perguntas que a vida faz.
    Continuemos a interrogar-nos.
    Beijos
    Salete

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  9. Ana querida

    Um poema que requer uma leitura lúdica e questionadora; não requer respostas rápidas embora altamente reveladoras.
    adorei!!

    beijos

    Rose

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  10. Olá Ana, que ba-ra-to!!! [rs]
    Sensacional!!! Questionar é preciso...Sempre.
    Pelo licença para acrescentar uma pergunta: "qual linha de fuga pode-se utilizar em relação ao "tinitus"? [rs] Está um horror, depois que cheguei de viagem.

    Um beijo e Bravooooo!!!!

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  11. Com conta, peso e medida... nem sempre conseguimos e ainda bem... mais longe vamos... mais procuramos... e acrescentamos à nossa caminhada!

    1 Bj*
    Luísa

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  12. Salete, Rose, Lau e Luísa: perdão pela demora, muitíssimo obrigada pela leitura e comentários.

    PS Lau: minha linha de fuga para aturar o tinitus (e evitar o desencadear da síndrome de Menière) tem sido, por recomendação médica (consulte o seu otorrino), 3 gotas de rivotril à noite, antes de dormir.

    Um grande abraço, amigos!

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  13. Este comentário foi removido pelo autor.

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  14. A adicção é uma "praga" cada vez mais flagrante, não só nas grandes cidades.
    Algo, no obscuro da mente, nos leva a estes comportamentos de compulsão, uma ordem pré-estabelecida, um script delineado, como se um ditador interno habitasse nos confins subterrâneos da mente.
    É dá-lhe "pedra", loló, birita, jogo e sexo compulsivos e tantas outras formas de mascarar a ansiedade.
    É um terreno movediço para a poeta e psicanalista.
    Mas vale trilhá-lo e orientar que caiu nas armadilhas de Maya.

    Beijão.

    Ricardo Mainieri

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  15. Obrigada, Ricardo, por mais essa interlocução - só vi o comentário agora. Creio que o denominador comum de toda e qualquer adição seja a ansiedade - em excesso, porque na medida certa ela é mola propulsora de tudo.
    Beijo

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  16. Ana, enquanto lia seu poema imaginei que você pensava o seguinte: abastecer-se de livros seria a melhor opção - rsrsrs.
    Beijos, com carinho, Madalena.
    P.S. "Em ambos os ofícios o que importa é a verdade da fantasia." Ana, quando li essas palavrinhas, dei um sorriso espontâneo - e até a Bruxauva saltou de dentro do blog.

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  17. Madalena! Sempre bem-vinda! Acertou na minha "adição": livros!!! (Embora nos últimos tempos, a síndrome de Menière tenha me obrigado a depender de algumas drogas)
    A verdade da fantasia é tudo! Já leu Vilém Flusser?
    Beijos

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