domingo, 31 de outubro de 2010

PARA QUE SERVE A POESIA?

A poesia é um verdadeiro alento nas horas difíceis. Tapa-buracos do real, quanto mais o sentido escapa, mais ela emerge. Na contramão do sensato, aponta o horizonte do impossível, denuncia a tentativa de sacrifício do sonho, de massacre da ilusão.
Dá força ao imaginário, até mesmo ao marginal, e serpenteia como água na infiltração, disseminando-se pelas frestas, pelos descaminhos, driblando barreiras, minando resistências, fazendo suas próprias rotas, não convencionais, subversivas.
Ensina a suportar a impotência diante do inominável. A acessar, por ondas mnêmicas, o indestrutível museu emocional que portamos. A abordar, como significa semanticamente: pelas bordas, a dor. A aproximar, por linhas de fuga, o horror.
A abandonar os remos e deixar o barco à deriva. Ficar como cata-vento, à mercê do vento. Fantasiar que estamos nadando no mar quando só estamos afogados em nossas lágrimas salgadas (grande Carroll!). Falar com bichos e pedras sem parecer louco.
A se jogar no buraco, por mais escuro e fundo que seja, Alice na toca do coelho, sem se questionar como será para voltar. E também, depois dessa queda, não ter mais medo de cair. Até porque quando se cai nada mais resta a fazer senão falar, simbolizar, metaforizar. Mesmo que com dificuldade, como reza a lenda sobre Joyce: o dia inteiro trabalhando para encontrar as palavras, só não sabia, ao final, ainda, como arranjá-las na frase.
A nos interrogarmos depois que escrevemos: será que foi o mundo que mudou ou mudei eu? Quem sou esse que escreve? Esse estranhamento.
Pois a poesia não responde, pergunta. Seria ela um corredor comprido, iluminado por uma fileira de lâmpadas? Ou a luz das lâmpadas iluminando esse corredor? Varia, depende do ângulo. Ela é a chave que não abre nenhuma porta específica, deixando a você a descoberta das saídas possíveis. Suas, particulares, subjetivas, únicas.
Semelhante aos pés distantes da Alice, pode não nos obedecer e nos levar para onde não queremos ir. Feito andar na areia da praia, deixando pegadas que o vento logo desmancha: à medida que caminhamos, mais criamos marcas e as apagamos.
Arquiteta da ponte entre as margens de um vazio e outro, tantas vezes projetada, jamais construída, tem o dom de fazer extraordinário do comum. Lápis de cor que colore o preto e branco da história, desenhando montanhas onde é só planície estéril, encantando o desencanto do mundo. O pintor é ela, somos – com muita honra e humildade – apenas seus pincéis.

Ana Guimarães

9 comentários:

  1. E por que será que hoje, sim, hojinho, a poesia - tirando à que se une à música, é desvalorizada. nem tanto? Eu acho que um tanto e tanto!
    Por que não se quer o inverso da areia ao vento? Que perigos esse mar de fogo?

    Beijão!!!!!

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  2. Poesia
    Poesia?
    Para que serve a poesia?
    Para falar de flores,
    Do amor e suas dores?
    Para falar do Ceu,
    do universo de estrelas?
    Como é seu nascimento?
    Bastam folha e papel?
    Ou nasce do meu pranto,
    Das lagrimas que limpo e seco?
    A quem ela pertence ,
    Se a recito em alta voz?
    O eco traz-me-a de volta
    E se ela me pertencia
    Agora não pertence mais.
    Corre agora para o mundo,
    Como o rio à sua foz
    Já não sou mais só eu
    Sou o eco e minha voz.
    (@by Adilson S. Silva)
    http://recantodasletras.uol.com.br/autores/diadilson

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  3. A poesia serve para aves urbanas - essas birrentas - levarem pelo bico uma ou outra semente até o topo de prédios, viadutos... ficando depois à conta do improvável a germinação de algo com vida.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. A poesia não está para servir - há os que dela se servem - servos feitos, se há ou não serventia nesse "apoderar-se" - quem faz, quem lê, sabe o sumo, o mosto que obtem.

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  6. queima me um beijo fogueira de restos do amor
    queima se pode
    queima a suspeita que em meu peito teima
    quebra meu dia que em tanta pedra explode
    queima meu nome que em fogo teu transforme
    essa tempestade a vida em tempo de poesia
    queima me tanto que me lembre sempre
    o vento que me leva para a frente ventania

    Paulo Leminski

    Eu consegui ver a síntese de suas ideias e nada como a poesia para comentar. Beijos.

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  7. Olá , Ana! João de Deus Netto do Blog Picinez. Vim dar uma clareada nas vistas e aproveitar pra ver o resultado do gozo da letra inserida na frase. Não sou poeta, sou leitor, designer gráfico e caricaturista.
    Obrigado pela visita.
    Sucesso e um abração afetuoso.

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  8. Espetáculo, Ana.Fico impressionada como a poesia consegue tornar visível algo abstrato como os sentimentos, com uma realidaaaaaade. Muitas vezes, ao ler alguns poemas, penso que foram escritos pra mim.:)

    Como diz o Grande Quintana, "escusado lembrar-lhe que a poesia é uma das artes plásticas e que o seu material são as palavras, as misteriosas palavras"...
    Amei a sua poesia!! :)

    Um beijo e "brigadim" pelo e-mail mineiro:)

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  9. "Brigadim", meus amigos!
    A poesia sempre foi desvalorizada por quem a desvaloriza, tautológico assim... Ela não está aí ou aqui para servir a ninguém ou a causa alguma, só para aves birrentas - como nós - levarem umas sementes daqui pra lá, clarear as vistas de novos amigos e tornar visível o invisível.
    Beijos

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