BALAS PERDIDASPor que temer o simulacrose o que se ergue contra o nadaé isso, a literatura?aquilo que criamos, quando sós, num quartoapenas nós e um micro, eis a pintura(não mais um gato e uma máquina de escrevercomo queria Cortázar, em 62, àquela altura)a contar fatos que não aconteceramesperando que o fato de contá-los– letra-coágulo-sentido –estanque o sanguepare a hemorragiaUm peixe grande aí talvez possa ser fisgadose finjo que essa linha não é minhaacordei tarde, nem fui à pescaria...e ela pertence mesmo a outro que não eumal a reconheço na retinaassim que a imagem aparecer, tentarei analisare o racional só faz falsificaro pensamento é inútilPode até ser um empurrão na portaque se abre e me leva a uma esquinaa entrever várias direções, inclusive a contramãoesquecendo que pensar é destruirgrande chance de a verdade ruiré ficar cada vez mais distante de sinada a fazer, então, com “laranjas chupadasdebaixo do pé, naquela tarde, na fazenda”a não ser deixar, do olho, a lágrima escorrerNa rede estou, sou caça das palavrasque me caem em cima, matando, de vez, a coisapassiva, pasto, passagemgarrafa ao mar, missivanão fujo, não me escondo, deixo-me atravessarpor essas balas perdidasAna Guimarães
segunda-feira, 13 de maio de 2019
BALAS PERDIDAS
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