domingo, 16 de junho de 2019

LITERATURA-SERTÃO

LITERATURA-SERTÃO

É quando não se tem receio de falar e desfalar. Bom seria ter os pastos demarcados, mas não, aqui e ali crespos e avessos convivem com a razão. Neblinas sempre vão existir, o que não me impede de sonhar com dia claro, pouca nebulosidade. E sonhar já é fazer. Sertão é querer tão forte que é poder. Flecha a cruzar um mar de territórios, seguindo o rastro do desejo.

Os olhos caçam verdades, porém toda certeza logo se dissolve. Mergulho no rio mirando a margem do lado de lá, paralela a de cá. Ledo engano, por mais que nade contra a correnteza, chego em outro ponto diferente daquele que almejei. Viver, além de perigoso, é imprevisível.

Se “toda saudade é uma espécie de velhice”, já envelheci. Sinto as faltas, testemunho as perdas cada vez mais perto do coração. Abraço lembranças com as as asas de um pássaro gigante que não se cansa de crescer.

Felicidade agora é estar vazio, pronto para ficar pleno. De sentido. Escuro que promete claridade. Aceitar que travessia é assim: no meio dela sou cego, de tanto real. E não posso mais voltar atrás, depois que atravesso os fantasmas.

Do nosso mal não se quer saber, mais fácil apontar no próximo. Muito se fala para isso, para (se) esconder. Essa ruindade nativa no ser humano é o Outro, nós mesmos. O de fora escuta melhor. Amigo, mas estranho. Desarmado. Ouve e nada responde. 

Ficar calado é conversar com os mortos, estar no meio deles. De ouro não tem nada. Prefiro meu amor de prata, a palavra. Pacto eu faço pela linguagem, por ela vou à encruzilhada à meia-noite, prometo mundos e virgens fundos, vendo minha alma a fim de presenciar algum nascimento. Frasear, se possível, para suportar o existir. Tecer alguma graça em pleno front, até o feio da guerra permite momentos de alegria, não é mesmo?

Por enquanto, só a surpresa me faceia e a dúvida me cavalga. Peço que a dor não me endureça, ao contrário, regue minhas ideias, as fertilize, além da desordem e da interrogação que germinaram. Que essa máquina de tristeza que atira tão bem, atire também no criar, pondo, diante de mim, via escrita, as cores da redenção.

Ana Guimarães

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