quinta-feira, 30 de julho de 2009
JUSTINE
JUSTINE
Aquela cadela era o cão
Quem ela pensava que era, uma dama?
Subia na minha cama como se fosse dona. Nunca uma cortesã
Mais parecia uma gata que sabe de seus direitos e a todos encanta, no salão
Olhava-me como se soubesse quem sou: o que será que ela via?
Obedecia-me. Eu era o patrão, ela a manda-chuva
Nos dias de sol: raios e trovoadas, ela só aprontando
Corria sobre o canteiro de rosas: um estrago e tanto
Subia no varal: pegadas por toda a roupa. Deixava a empregada louca
Mas era só eu falar chega, acabou, e ela ficava quietinha
Às vezes saltava sobre mim, latindo feito fera
Tomava meu pulso entre os dentes, pura ameaça, todo mundo olhando
Não era nada, uma palavra minha e acabou a brincadeira
E quando eu saía? Gemia, era patético, porque quase humano. Via-se que sofria
O focinho tremia, pequenos ganidos produzia, quase fonemas
Pode-se dizer que ela tinha a linguagem, ao menos os esforços para expressá-la
Mesmo que só nas horas de intensidade emocional
(sua vantagem sobre certos humanos: não falava o tempo todo, à toa)
Ao lado da mesa ficava, sempre, à espera de migalhas, restos da refeição
Não que estivesse faminta, tinha a sua ração
Para se sentir parte da família, em comunhão
Um dia a perdi. Ganhei um luto que jamais tirei, por dentro
Vista azul, amarelo ou branco
É sempre preto
Ana Guimarães
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Olá Ana!!! Lindo!!!!São esse seres os que mais nos compreendem .E quando os perdemos, além da dor, ficam lembranças inesquecíveis.
ResponderExcluirUm beijo
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOs animais domésticos são mais de humanos. Eles nos representam, nos mostram, inauguram caminhos, como se fossem sábios, percorrendo-os junto conosco, alertando, mostrando, emitindo fonemas e sorrisos. Muitas pessoas, não o percebem, não o sentem. Apenas desejam companhias. Você não só percebeu. Amou Justine como Lawrence amou a dele. Beijos.
ResponderExcluirInteressante, Ana. É célebre a tirada de Napoleão sobre o próprio poliglotismo. Tinha uma língua que ele achava a melhor para cada circunstância, inclusive uma reservada para falar ao seu cavalo.
ResponderExcluirPela foto dá pra ver como Justine era, toda branquinha, confortavelmente ao colo, posando para a foto. Era muito mal comportada, fazia tudo o que não devia, e devia ser mesmo um amoreco.
Como o caozinho de Marie Curie que a cada bobeira dela a deixava sem merenda.
Obediente, Justine parecia possuir inteligência suficiente pra interpretar no tom de um comando seu a menságem "agora é sério", pois o comportamento logo se ajustava.
Justine "era o cão"! Tão expressiva referência a ela deixa transparecer carinho, afeição, boas coisas. O luto simbólico em todas as cores só confirma.
Eu que nunca quis ter pets por conta de pequenas inconveniências (imagine então Noé e família na arca) ao ler este post simpatizei com sua Justine. Lamentável este final.
Beijos
Como sempre um primor. Talento é talento, dedicação, uma virtude, uma resposta aos desejos indecifráveis mas que se manifestam tal qual os de Justine.
ResponderExcluirQuando perde-se a condição de interação ao "vivo e a cores", quando sabemos que a partir de um certo momento só existirá na lembrança que é feita de emoção, vive-se o luto.
Beijos
PS. "Tal o de Justine, mas considerando as diferenças entre um cão e um ser humano.
Bejos
Cãos são animais adoráveis, dê uma olhada no meu blog e terás uma pequena surpresa a respeito deles... eu mesmo fiquei chocado.
ResponderExcluirCaríssimos amigos, como tudo que escrevo - a não ser crônicas de viagem, é claro - esse é mais um poema onde misturo realidade e ficção. Justine era o nome da cadela do psicanalista francês Lacan, que por sua vez assim a batizou em homenagem a personagem Justine, de Sade. O cãozinho da foto é o Ago: esse sim, o perdi, abruptamente. Tenho um texto sobre, vou postá-lo a seguir.
ResponderExcluirMuito obrigada pelos deliciosos comentários.
Desculpem o meu pouquíssimo tempo disponível, atualmente, para o blog e demais contatos pela internet: a chamada vida real tem me esmagado, tanto no bom como no mau sentido.
Beijos