Aquela cadela ‘era o cão’
Quem ela pensava que era, uma dama?
Subia na minha cama como se fosse dona
Mais parecia uma gata que sabe de seus direitos
e a todos encanta, no salão
Olhava-me como se soubesse quem sou
O que será que ela via?
Obedecia-me. Eu era o patrão, ela a manda-chuva
Em dias de sol: ‘raios e trovoadas’, ela só aprontava
Corria sobre o canteiro de rosas,
um estrago e tanto
Subia no varal, pegadas por toda a roupa,
deixava a empregada louca
Mas era só eu falar chega, acabou
e ela ficava quietinha
Às vezes saltava sobre mim, latindo feito fera
Tomava meu pulso entre os dentes, pura ameaça, todo mundo olhando
Não era nada, uma palavra minha
e acabou a brincadeira
E quando eu saía? Gemia, era patético porque quase humano, via-se que sofria
O focinho tremia, pequenos ganidos produzia, quase fonemas
Pode-se dizer que ela tinha a linguagem, ao menos os esforços para expressá-la
mesmo que só nas horas de intensidade emocional
(sua vantagem sobre certos humanos: não falava o tempo todo, à toa)
Ao lado da mesa ficava, sempre,
à espera de migalhas, restos da refeição
Não que estivesse faminta, tinha a sua ração
Para se sentir parte da família, em comunhão
Um dia a perdi
Ganhei um luto que jamais tirei, por dentro
Vista azul, amarelo ou branco
É sempre preto
Ana Guimarães
* Foto de minha autoria.
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