A PALAVRA FINAL
A palavra final pertence ao editor
ele tem um secretário da cultura
o secretário tem um primeiro ministro
o primeiro ministro tem um governo
o governo tem uma polícia
a polícia tem armas
Eu tenho um poema
o poema é um tirano
recusa assumir compromissos
no sentido estrito da palavra
é a palavra final
a neve é azul como uma laranja
(versão do poeta João Luís Barreto Guimarães a partir da tradução em inglês de Nicholas Kolumban de um poema do húngaro Elémer Horváth)
Difícil escrever sobre Budapeste sabendo que tantos amigos dizem morrer de amores por ela enquanto eu, conhecendo e respeitando sua história, a luta dos magiares (como são chamados os húngaros) contra o totalitarismo, apenas gostei de conhecê-la, mas não voltaria. (Pareceu-me uma cidade partida, não só entre Buda e Óbuda, no lado esquerdo do Rio Danúbio, e Peste, na margem direita) Seria por que foi a primeira depois da passagem pelas esplendorosas Florença e Veneza? Sei, comparações desse tipo são idiotas, porém inevitáveis já que o coração não pensa... Teria o (mau) começo de nossa estadia influenciado nessa percepção?
Explico: trocamos de hotel, pois o primeiro não correspondeu às expectativas de um mínimo de conforto e funcionalidade. Partimos, então, para o Mercure, na Váci ut, a principal rua de pedestres, pertinho da Confeitaria Gerbeaud, fundada em 1858, e do Mercado Central, enorme estrutura metálica lembrando uma estação ferroviária, dezenas de bancas oferecendo alimentos, especiarias (a páprica é o condimento típico com que se faz o goulash) e todo tipo de souvenir (as matryoshkas, bonecas umas dentro das outras vestidas de camponesas são as mais vendidas, mas nas vésperas da páscoa faziam sucesso ovos dos quais se retira o conteúdo através de um minúsculo furo para serem decorativamente pintados).
Horas distraídas passamos no New York (almoço regado a cerveja Dreher sem rótulo afixado e sim gravado na garrafa), restaurante outrora freqüentado por famosos como Chaplin, Mastroianni e Pavarotti. O luxo, testemunha de um passado de riqueza e opulência, contrasta com a moldura de lixo da rua onde ele se situa, cujas lojas com fachadas sujas e pixadas, ainda parecem desconhecer a profissão de vitrinista. Descobriríamos mais tarde que a degradação do mobiliário urbano se faz notar por quase toda parte. Pedintes, edifícios mal conservados como rosas secas, dura realidade; a exceção é a Andrassy, deve ser por ela que Budapeste é considerada a Paris do Leste Europeu. No final dessa avenida, fica a Praça dos Heróis, e defronte, a Galeria de Artes e o Museu de Belas Artes.
Atravessamos a Ponte das Correntes e fomos conhecer o Palácio Real ou Castelo de Buda, na verdade um conjunto de vários prédios no alto de uma colina, uma construção imponente (todo o bairro era a residência oficial dos nobres, os Habsburgos). A Igreja de São Matias fica ao lado, com telhado colorido, e perto, o moderno Bastião dos Pescadores, de onde se tem uma boa vista, sobretudo à noite, do Parlamento iluminado. No ponto mais alto, no topo do Monte Géllert, encontra-se, além do hotel com o mesmo nome (conhecido por suas fontes termais), a Citadella, outrora uma fortaleza, hoje ponto lotado de ônibus levando turistas para lojinhas de artesanato. Aí, dignos de nota são as mega fotos de Budapeste em diferentes épocas.
Andamos muito a pé, e às vezes de táxi, mesmo sujeitando-nos a ser extorquidos (e fomos, por duas vezes), pois simpáticos bondes podem ser um excelente meio de transporte para seus habitantes, mas que estrangeiro arriscaria se perder? A comunicação é difícil, gerando muito mal entendido, mesmo com quem lida com público. O guia do city tour, por exemplo, falava um inglês tão corrido quanto mal pronunciado, despejando toneladas de informações históricas e arquitetônicas numa velocidade supersônica - todos desistiram de acompanhá-lo. E, por mais que nos esforçássemos, a língua nativa, uma das mais difíceis do mundo, é absolutamente impraticável. Belas tampas de bueiro em bronze tem escrito: Tulajdona Budapesti Elektrumos Muvek. Ficamos curiosos, quem se habilita a traduzir?
Ana Guimarães
ele tem um secretário da cultura
o secretário tem um primeiro ministro
o primeiro ministro tem um governo
o governo tem uma polícia
a polícia tem armas
Eu tenho um poema
o poema é um tirano
recusa assumir compromissos
no sentido estrito da palavra
é a palavra final
a neve é azul como uma laranja
(versão do poeta João Luís Barreto Guimarães a partir da tradução em inglês de Nicholas Kolumban de um poema do húngaro Elémer Horváth)
Difícil escrever sobre Budapeste sabendo que tantos amigos dizem morrer de amores por ela enquanto eu, conhecendo e respeitando sua história, a luta dos magiares (como são chamados os húngaros) contra o totalitarismo, apenas gostei de conhecê-la, mas não voltaria. (Pareceu-me uma cidade partida, não só entre Buda e Óbuda, no lado esquerdo do Rio Danúbio, e Peste, na margem direita) Seria por que foi a primeira depois da passagem pelas esplendorosas Florença e Veneza? Sei, comparações desse tipo são idiotas, porém inevitáveis já que o coração não pensa... Teria o (mau) começo de nossa estadia influenciado nessa percepção?
Explico: trocamos de hotel, pois o primeiro não correspondeu às expectativas de um mínimo de conforto e funcionalidade. Partimos, então, para o Mercure, na Váci ut, a principal rua de pedestres, pertinho da Confeitaria Gerbeaud, fundada em 1858, e do Mercado Central, enorme estrutura metálica lembrando uma estação ferroviária, dezenas de bancas oferecendo alimentos, especiarias (a páprica é o condimento típico com que se faz o goulash) e todo tipo de souvenir (as matryoshkas, bonecas umas dentro das outras vestidas de camponesas são as mais vendidas, mas nas vésperas da páscoa faziam sucesso ovos dos quais se retira o conteúdo através de um minúsculo furo para serem decorativamente pintados).
Horas distraídas passamos no New York (almoço regado a cerveja Dreher sem rótulo afixado e sim gravado na garrafa), restaurante outrora freqüentado por famosos como Chaplin, Mastroianni e Pavarotti. O luxo, testemunha de um passado de riqueza e opulência, contrasta com a moldura de lixo da rua onde ele se situa, cujas lojas com fachadas sujas e pixadas, ainda parecem desconhecer a profissão de vitrinista. Descobriríamos mais tarde que a degradação do mobiliário urbano se faz notar por quase toda parte. Pedintes, edifícios mal conservados como rosas secas, dura realidade; a exceção é a Andrassy, deve ser por ela que Budapeste é considerada a Paris do Leste Europeu. No final dessa avenida, fica a Praça dos Heróis, e defronte, a Galeria de Artes e o Museu de Belas Artes.
Atravessamos a Ponte das Correntes e fomos conhecer o Palácio Real ou Castelo de Buda, na verdade um conjunto de vários prédios no alto de uma colina, uma construção imponente (todo o bairro era a residência oficial dos nobres, os Habsburgos). A Igreja de São Matias fica ao lado, com telhado colorido, e perto, o moderno Bastião dos Pescadores, de onde se tem uma boa vista, sobretudo à noite, do Parlamento iluminado. No ponto mais alto, no topo do Monte Géllert, encontra-se, além do hotel com o mesmo nome (conhecido por suas fontes termais), a Citadella, outrora uma fortaleza, hoje ponto lotado de ônibus levando turistas para lojinhas de artesanato. Aí, dignos de nota são as mega fotos de Budapeste em diferentes épocas.
Andamos muito a pé, e às vezes de táxi, mesmo sujeitando-nos a ser extorquidos (e fomos, por duas vezes), pois simpáticos bondes podem ser um excelente meio de transporte para seus habitantes, mas que estrangeiro arriscaria se perder? A comunicação é difícil, gerando muito mal entendido, mesmo com quem lida com público. O guia do city tour, por exemplo, falava um inglês tão corrido quanto mal pronunciado, despejando toneladas de informações históricas e arquitetônicas numa velocidade supersônica - todos desistiram de acompanhá-lo. E, por mais que nos esforçássemos, a língua nativa, uma das mais difíceis do mundo, é absolutamente impraticável. Belas tampas de bueiro em bronze tem escrito: Tulajdona Budapesti Elektrumos Muvek. Ficamos curiosos, quem se habilita a traduzir?
Ana Guimarães
Ana querida
ResponderExcluirComo de outra vez começo por esse que é o último postado para depois ler os demias. No decorrer do dia, te aviso.
Te mostras excelente narradora, mas PALAVRA FINAL que escolhestes para compor o POST é de fato um retrato, daqueles que não gostamos de ver em funcionamento.
Por isso existe o POEMA.
Façamaos deles a munição com que contamos para aliviar as dores causadas pelas feridas causadas pelos equívocos dos que desejam poder para jubjugar.
UM belo final de semana.
Beijos, carinhos
Consegui postar finalmente!
ResponderExcluirTrancrevo o mesmo comentário do email:
Ana, bom dia!
Achei sua narrativa um pouco triste, talvez mesmo por você ter passado antes em magníficos lugares.
Penso que sempre devemos começar pelos lugares mais mornos e fazer nosso Ponto Final em paisagens deslumbrantes, terminar no Ápice e sempre voltar com gosto de quero mais!!!
Triste é ver o abandono com que alguns povos relegam seus patrimônios, sua história, mesmo que não tenha sido das mais felizes... Rejeitar o passado não nos torna mais fortes, sim, nos enfraquece pelo esquecimento e fáceis a novas experiências desagradáveis.
Bjs!!!
Dulceny z
Ana... Cheguei aqui "por acaso", mas através de teus olhos, "revi" Budapest, onde estive por uma semana em 2006.
ResponderExcluirAs sensações são bem semelhantes, inclusive a da "cidade partida", da falta de zelo com o patrimônio, do lixo na ruas, que até deram uma sensação de "Brasil", exceto pela língua que, ssegundo Chico Buarque, é a única que o demônio respeita, tal sua complexidade.
Mas é uma cidade que eu voltaria sim (espero voltar), ao menos para passear novamente pelo Danúbio, para tomar uma cerveja Dreher nos bares à margens do rio, do lado de Pest, nas proximidade da Ponte das Correntes, para voltar a sentir o bucolismo da cidade, para, mais uma vez, tomar um banho em águas termais, para rever aquelas palavras inaudíveis e indescritíveis na fala e na escrita daquele povo... Voltarei também a Praga, que agora é "um capítulo à parte".
Abraço
Querida Ana,
ResponderExcluirA viagem continua ao rubro.
A poesia...linda:
quem tem um poema tem tudo.
(eu vou guardar a frase: a neve é azul como uma laranja = fenomenal)
1 Bj*
Luísa
Existe um cantor da Budapest antiga, que talvez não exista mais. Sándor Márai. Tenho certeza que lendo suas histórias, terá vontade de voltar.
ResponderExcluirPorém, fica a sensação gostosa de ter uma amiga que atravessou a ponte das correntes, os banhos termais, e que se lembrou de partilhar numa narrativa gostosa e ágil. Agora a cidade tem o apelido de Paris de outrora. Graças ao seu belo triste texto. Beijos.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEm narrativas suas,viajo duplamente,pois sigo não só narrativa , mas emoção sua sentida!
ResponderExcluirBzu Amiga Linda e Querida!
Viva a Vida!
Ana,
ResponderExcluirNão conheci Budapeste nas minhas andanças ppor aí, mas valeu conhecer através da tua narrativa, voltarei aqui, para viajar e rever alguns lugares através das tuas lentes. Obrigada pela tua visita ao Longevidade, quanto aos Meninos de vozes Agelicais, foram eles através do meu pai, que me despertaram para a música, e no meio de tanta porcaria que temos por aqui, fico muito feliz, com o número de pessoas que se manifestam através de e-mails a afirmam também se emocionar.
Um beijo,
Olá Ana! O poema do início é espetacular e o post, uma verdadeira aula!
ResponderExcluirBjs!
Ana,
ResponderExcluirImpossível não transportar-se ao ler-te.
Parabéns pela síntese e beleza da narrativa.
Beijos
Oh, Ana, assim como as cervejas sem rótulo, não se deve rotular, portanto, uma cidade. Cada um grava a sua opinião de acordo com o que vê e sente.
ResponderExcluirAdorei a crônica e a visita à cidade - rsrsrs
Beijos
Cara Ana, desde quando - ou desde sempre - a Hungria foi considerada como o primeiro país do leste. A Europa terminaria em Viena. Só que o leste nunca considerou a Hungria, e Budapeste, como suas. Sinuca, não? Talvez por isso, tenham ficado no entre-meio da totalidade e do nada: talvez por isso a Hungria tenha contistas de tão alto nível, mas não romancistas. Frações de vida também se revelam, além da complexidade da língua.
ResponderExcluirBelo post e belíssimo poema (de dar inveja, estivesse mais próximo).
abraços,
Pedro
Queridos amigos, agradeço a leitura. Muitíssimo obrigada pelos comentários (sempre enriquecedores) por aqui ou por e-mail: é sempre um prazer recebê-los.
ResponderExcluirO poema é um "escândalo", não é mesmo?
Beijos
Sou das Letras, assim...adorando lê-la, conhecê-la!
ResponderExcluirQuis postar recado no seu orkut, não o consegui...
Bjosss
Desculpe, marilumartens, só agora estou lendo seu comentário ao meu post. Muito obrigada!
ResponderExcluirAna Guimarães