sexta-feira, 8 de maio de 2009

Primavera de 2009 na Europa - BUDAPESTE

foto de Ana Guimarães

A PALAVRA FINAL
A palavra final pertence ao editor
ele tem um secretário da cultura
o secretário tem um primeiro ministro
o primeiro ministro tem um governo
o governo tem uma polícia
a polícia tem armas

Eu tenho um poema
o poema é um tirano
recusa assumir compromissos
no sentido estrito da palavra
é a palavra final

a neve é azul como uma laranja

(versão do poeta João Luís Barreto Guimarães a partir da tradução em inglês de Nicholas Kolumban de um poema do húngaro Elémer Horváth
)

Difícil escrever sobre Budapeste sabendo que tantos amigos dizem morrer de amores por ela enquanto eu, conhecendo e respeitando sua história, a luta dos magiares (como são chamados os húngaros) contra o totalitarismo, apenas gostei de conhecê-la, mas não voltaria. (Pareceu-me uma cidade partida, não só entre Buda e Óbuda, no lado esquerdo do Rio Danúbio, e Peste, na margem direita) Seria por que foi a primeira depois da passagem pelas esplendorosas Florença e Veneza? Sei, comparações desse tipo são idiotas, porém inevitáveis já que o coração não pensa... Teria o (mau) começo de nossa estadia influenciado nessa percepção?

Explico: trocamos de hotel, pois o primeiro não correspondeu às expectativas de um mínimo de conforto e funcionalidade. Partimos, então, para o Mercure, na Váci ut, a principal rua de pedestres, pertinho da Confeitaria Gerbeaud, fundada em 1858, e do Mercado Central, enorme estrutura metálica lembrando uma estação ferroviária, dezenas de bancas oferecendo alimentos, especiarias (a páprica é o condimento típico com que se faz o goulash) e todo tipo de souvenir (as matryoshkas, bonecas umas dentro das outras vestidas de camponesas são as mais vendidas, mas nas vésperas da páscoa faziam sucesso ovos dos quais se retira o conteúdo através de um minúsculo furo para serem decorativamente pintados).

Horas distraídas passamos no New York (almoço regado a cerveja Dreher sem rótulo afixado e sim gravado na garrafa), restaurante outrora freqüentado por famosos como Chaplin, Mastroianni e Pavarotti. O luxo, testemunha de um passado de riqueza e opulência, contrasta com a moldura de lixo da rua onde ele se situa, cujas lojas com fachadas sujas e pixadas, ainda parecem desconhecer a profissão de vitrinista. Descobriríamos mais tarde que a degradação do mobiliário urbano se faz notar por quase toda parte. Pedintes, edifícios mal conservados como rosas secas, dura realidade; a exceção é a Andrassy, deve ser por ela que Budapeste é considerada a Paris do Leste Europeu. No final dessa avenida, fica a Praça dos Heróis, e defronte, a Galeria de Artes e o Museu de Belas Artes.

Atravessamos a Ponte das Correntes e fomos conhecer o Palácio Real ou Castelo de Buda, na verdade um conjunto de vários prédios no alto de uma colina, uma construção imponente (todo o bairro era a residência oficial dos nobres, os Habsburgos). A Igreja de São Matias fica ao lado, com telhado colorido, e perto, o moderno Bastião dos Pescadores, de onde se tem uma boa vista, sobretudo à noite, do Parlamento iluminado. No ponto mais alto, no topo do Monte Géllert, encontra-se, além do hotel com o mesmo nome (conhecido por suas fontes termais), a Citadella, outrora uma fortaleza, hoje ponto lotado de ônibus levando turistas para lojinhas de artesanato. Aí, dignos de nota são as mega fotos de Budapeste em diferentes épocas.

Andamos muito a pé, e às vezes de táxi, mesmo sujeitando-nos a ser extorquidos (e fomos, por duas vezes), pois simpáticos bondes podem ser um excelente meio de transporte para seus habitantes, mas que estrangeiro arriscaria se perder? A comunicação é difícil, gerando muito mal entendido, mesmo com quem lida com público. O guia do city tour, por exemplo, falava um inglês tão corrido quanto mal pronunciado, despejando toneladas de informações históricas e arquitetônicas numa velocidade supersônica - todos desistiram de acompanhá-lo. E, por mais que nos esforçássemos, a língua nativa, uma das mais difíceis do mundo, é absolutamente impraticável. Belas tampas de bueiro em bronze tem escrito: Tulajdona Budapesti Elektrumos Muvek. Ficamos curiosos, quem se habilita a traduzir?

Ana Guimarães

15 comentários:

  1. Ana querida
    Como de outra vez começo por esse que é o último postado para depois ler os demias. No decorrer do dia, te aviso.
    Te mostras excelente narradora, mas PALAVRA FINAL que escolhestes para compor o POST é de fato um retrato, daqueles que não gostamos de ver em funcionamento.
    Por isso existe o POEMA.
    Façamaos deles a munição com que contamos para aliviar as dores causadas pelas feridas causadas pelos equívocos dos que desejam poder para jubjugar.
    UM belo final de semana.
    Beijos, carinhos

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  2. Consegui postar finalmente!
    Trancrevo o mesmo comentário do email:

    Ana, bom dia!
    Achei sua narrativa um pouco triste, talvez mesmo por você ter passado antes em magníficos lugares.
    Penso que sempre devemos começar pelos lugares mais mornos e fazer nosso Ponto Final em paisagens deslumbrantes, terminar no Ápice e sempre voltar com gosto de quero mais!!!

    Triste é ver o abandono com que alguns povos relegam seus patrimônios, sua história, mesmo que não tenha sido das mais felizes... Rejeitar o passado não nos torna mais fortes, sim, nos enfraquece pelo esquecimento e fáceis a novas experiências desagradáveis.

    Bjs!!!
    Dulceny z

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  3. Ana... Cheguei aqui "por acaso", mas através de teus olhos, "revi" Budapest, onde estive por uma semana em 2006.

    As sensações são bem semelhantes, inclusive a da "cidade partida", da falta de zelo com o patrimônio, do lixo na ruas, que até deram uma sensação de "Brasil", exceto pela língua que, ssegundo Chico Buarque, é a única que o demônio respeita, tal sua complexidade.

    Mas é uma cidade que eu voltaria sim (espero voltar), ao menos para passear novamente pelo Danúbio, para tomar uma cerveja Dreher nos bares à margens do rio, do lado de Pest, nas proximidade da Ponte das Correntes, para voltar a sentir o bucolismo da cidade, para, mais uma vez, tomar um banho em águas termais, para rever aquelas palavras inaudíveis e indescritíveis na fala e na escrita daquele povo... Voltarei também a Praga, que agora é "um capítulo à parte".

    Abraço

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  4. Querida Ana,

    A viagem continua ao rubro.

    A poesia...linda:
    quem tem um poema tem tudo.
    (eu vou guardar a frase: a neve é azul como uma laranja = fenomenal)

    1 Bj*
    Luísa

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  5. Existe um cantor da Budapest antiga, que talvez não exista mais. Sándor Márai. Tenho certeza que lendo suas histórias, terá vontade de voltar.
    Porém, fica a sensação gostosa de ter uma amiga que atravessou a ponte das correntes, os banhos termais, e que se lembrou de partilhar numa narrativa gostosa e ágil. Agora a cidade tem o apelido de Paris de outrora. Graças ao seu belo triste texto. Beijos.

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  6. Em narrativas suas,viajo duplamente,pois sigo não só narrativa , mas emoção sua sentida!

    Bzu Amiga Linda e Querida!

    Viva a Vida!

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  7. Ana,

    Não conheci Budapeste nas minhas andanças ppor aí, mas valeu conhecer através da tua narrativa, voltarei aqui, para viajar e rever alguns lugares através das tuas lentes. Obrigada pela tua visita ao Longevidade, quanto aos Meninos de vozes Agelicais, foram eles através do meu pai, que me despertaram para a música, e no meio de tanta porcaria que temos por aqui, fico muito feliz, com o número de pessoas que se manifestam através de e-mails a afirmam também se emocionar.
    Um beijo,

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  8. Olá Ana! O poema do início é espetacular e o post, uma verdadeira aula!

    Bjs!

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  9. Ana,
    Impossível não transportar-se ao ler-te.
    Parabéns pela síntese e beleza da narrativa.
    Beijos

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  10. Oh, Ana, assim como as cervejas sem rótulo, não se deve rotular, portanto, uma cidade. Cada um grava a sua opinião de acordo com o que vê e sente.

    Adorei a crônica e a visita à cidade - rsrsrs
    Beijos

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  11. Cara Ana, desde quando - ou desde sempre - a Hungria foi considerada como o primeiro país do leste. A Europa terminaria em Viena. Só que o leste nunca considerou a Hungria, e Budapeste, como suas. Sinuca, não? Talvez por isso, tenham ficado no entre-meio da totalidade e do nada: talvez por isso a Hungria tenha contistas de tão alto nível, mas não romancistas. Frações de vida também se revelam, além da complexidade da língua.
    Belo post e belíssimo poema (de dar inveja, estivesse mais próximo).
    abraços,
    Pedro

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  12. Queridos amigos, agradeço a leitura. Muitíssimo obrigada pelos comentários (sempre enriquecedores) por aqui ou por e-mail: é sempre um prazer recebê-los.
    O poema é um "escândalo", não é mesmo?
    Beijos

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  13. Sou das Letras, assim...adorando lê-la, conhecê-la!
    Quis postar recado no seu orkut, não o consegui...
    Bjosss

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  14. Desculpe, marilumartens, só agora estou lendo seu comentário ao meu post. Muito obrigada!
    Ana Guimarães

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